Os topónimos que coincidem com palavras do léxico comum ou que estão incluídos nos dicionários gerais costumam ter uma explicação bastante simples. Por exemplo, se encontrarmos uma aldeia chamada O Castro, rapidamente olharemos em redor para localizarmos nas suas proximidades os vestígios de um povoado da Idade do Ferro. No entanto, é preciso ter cautela porque esta regra nem sempre se cumpre. Um bom exemplo disso é o topónimo Lucenza, do qual existem quase tantas hipóteses etimológicas como lugares assim denominados no nosso país.
A Lucenza, com artigo ou sem ele, encontramos como nome de uma aldeia do concelho de Chantada e de uma freguesia e lugar do concelho de Cualedro. Uma possível variante, A Lucencia, localiza-se no município lucense de Monterroso e outra, Locencia, aparece como entidade de povoação dos concelhos de Guitiriz e Vilalba. Além disso, em Galicia Nomeada podemos registar este topónimo, com as formas Lucenza, Lucencia ou Locencia, identificando terras nas quatro províncias galegas, especialmente na de Ourense.
Depois de procurarmos este termo no Dicionário da Real Academia Galega, sabemos que lucenza é sinónimo de ‘clareza’, pelo que poderíamos concluir rapidamente que todos estes lugares chamaram a atenção das pessoas que lhes deram nome por serem luminosos e soalheiros ou também por terem um terreno “brilhante ou calcário” em comparação com as terras situadas ao seu redor, possibilidade que também acrescenta como hipótese o estudioso da nossa toponímia Nicandro Ares.
No entanto, os diferentes investigadores que se aproximaram do topónimo não ficaram totalmente convencidos com esta relação com o termo do léxico comum e propuseram outras interpretações etimológicas. O próprio Nicandro Ares deixou em aberto a possibilidade de estarmos perante um antropotopónimo, ao relacioná-lo com o nome pessoal latino LUCENTIUS e com um sintagma que indicaria a pertença das suas terras, (VILLA) LUCENTIA. Esta hipótese, contudo, choca com a própria gramática latina, pois o genitivo deste nome pessoal é LUCENTII, do qual dificilmente poderia derivar o atual Lucenza.
Por sua vez, Elixio Rivas e Cabeza Quiles coincidem em afirmar que estes topónimos fazem referência a nascentes de água após verificarem que nestes lugares existem mananciais onde brotam águas subterrâneas. No entanto, divergem no étimo original: enquanto Elixio Rivas propõe a forma NASCENTIA ‘o que nasce’, derivada do verbo NASCERE ‘nascer’, Cabeza Quiles propõe um étimo LUCENTIA, derivado do termo latino LUX ‘luz’. Este último baseia a sua tese em diferentes documentos medievais onde surge o substantivo luzenza com o significado de ‘fonte’ ou ‘nascente de água’.
Uma última teoria é apresentada pelo académico de número do Seminário de Onomástica Gonzalo Navaza, para quem Lucenza pode conter a raiz indo-europeia *LEU- ‘lavar’, a mesma que dá em latim o verbo LAVARE e que está presente em hidrónimos galegos como Lavandeira, estudado recentemente nesta página.
Seja qual for a origem, fica claro, nunca melhor dito, que o topónimo A Lucenza / Lucenza / Lucencia ou Locencia é um desses casos em que a riqueza de hipóteses etimológicas nos mostra a complexidade de conhecermos a origem da toponímia galega.
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